Por vezes um cantinho do nosso cérebro ao qual damos o nome científico de hipocampo ou lobo temporal do cortéx, põe os motores a trabalhar e traz até nós aquilo a que damos o nome de memória, quer a curto, ou a longo prazo. Lembra-se de nos levar a lugares recônditos, escondidos por nós, que foram vividos no passado, aparecendo-nos no presente em forma de nostalgia.
Quando essa nostalgia decide "atacar-nos", só nos resta lutar contra ela expulsando-a, ou então entregar-mo-nos de corpo e alma e segui-la para onde ela nos quiser levar.
Foi o que fiz, ela apareceu assim do nada, e deixei-me guiar por ela, levou-me ao meu carro, fez com que eu o guiasse, enquanto me sussurrou ao ouvido para pegar naquele cd que ainda permanecia ali ao meu lado, na porta e o pusesse a tocar. Todas aquelas musicas que tantas vezes foram ouvidas em conjunto ou a sós ainda conseguiam provocar em mim um arrepio na espinha.
Pus-me à estrada, deixei-me guiar até aquele local onde se deu o primeiro encontro, estacionei e deixei-me ficar por ali parada ao som da chuva que caía forte lá fora ao mesmo tempo que o cd ainda tocava.
Fechei os olhos e vivi tudo o que ali se passou há uns anos atrás como se fosse hoje.
Sorri ao recordar aquele nosso nervoso miudinho quando convidei alguém para entrar no meu carro pela primeira vez.
Sorri quando recordei aquela minha tentativa de beijar esse alguém, sim, fui eu a que me atirei de cabeça...quando na realidade essa pessoa queria tanto ou mais que eu. Foi algo tão único, tão indescritível que só quem viveu algo do género me irá compreender. E presumo não ter sido a única a viver algo assim.
Sorri, quando recordei aquela vez em que fui ali parar de saia e sem cuecas e tivemos que acabar tudo num outro lugar mais adequado...que loucura.
Sorri, ao recordar todas as vezes que aquele carro foi o local escolhido para nos aliviarmos de todas as tensões e tesões.
Sorri, porque sabia que me aventurei a viver de uma forma que nem todos teriam coragem de o fazer, forma essa que me fez bem ao ego, à minha forma de ser e ver as coisas. Cresci e aprendi a ver as coisas numa outra perspetiva que poucos alcançarão.
Sorri, porque não me arrependi de nada do que fiz e se voltasse atrás, faria tudo da mesma forma, simplesmente me deixaria ir.
Mas também chorei...
Chorei, sem saber muito bem a razão que me levava a chorar.
Talvez porque decidi acabar tudo isso. Talvez porque agora não encontrava nada nem ninguém à altura de tudo aquilo que se viveu e sentiu. Talvez porque sabia que a qualquer instante eu poderia recomeçar tudo com a mesma pessoa, mas ao mesmo tempo a minha razão, dava-me um safanão querendo alertar-me para ficar quieta.
Chorei, porque sabia que essa pessoa ainda sofria com o meu afastamento, mas mesmo assim, continuava ali, todos os dias para me dar os bons dias.
Chorei, porque desde então não consegui mais ser a mesma aventureira destemida de outrora.
E voltei a sorrir de novo, porque sabia que era uma felizarda na vida, e que apesar de tudo o que vivi não magoei ninguém com as minhas decisões.
Desde sempre soube que era preciso usar a inteligência da mesma forma que ao mesmo tempo se usava a audácia, para que tudo desse certo, e agora tinha a certeza que de facto foi essa a minha melhor regra que estabeleci para mim própria.
São dias como estes, nostálgicos que nos levam a pensar melhor em tudo o que fomos e somos. E ainda naquilo que um dia queremos ser.
Ser vivos, e não apenas sermos seres existentes à face da terra.